terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mentirosamente

Sinceramente
Sutilmente
Delicadamente
Suavemente
Atenciosamente
Verdadeiramente
Loucamente
Simplesmente
Levianamente
Descuidadamente
Agressivamente

Porquemente?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Rosa-Grafite

A água subia em forma de nuvens
Embaçando o fundo das garrafas
Que os olhos usam para enxergar as graças
Do ar que vem dos pulmões de alguém

De longe o som que vinha dos pés
Subindo devagar os diversos degraus
Na superfície da minha face, aumentando alguns graus
E eu olho pra baixo, qual como da beira de um convés

E ao sentar sozinho na beirada da calçada
Com a mão o busco o beijo da uva fermentada
Tento fazer da minha própria embriaguez uma escada

E que cada lágrima que caia do meu rosto
Possa botar em sua boca o resquício do gosto
Que lá irá ficar, do Carnaval ao fim de Agosto

Ao final da garrafa arroxeada
Olho para minhas mãos, uma chaga em cada
Sinto a dor dos amantes fracassados da História
Que deixaram escapar por entre os dedos raios de glória

Um grito escapa das grades de meus lábios
Enquanto, de braços abertos, chamo o Mar a me abraçar
Para que, embebido em sua solução salubre, possa chorar
E que minhas lágrimas se confundam com aquelas derramadas
Quer pelos loucos ou pelos sábios

Trejeitos

O jeito que você me olha
Lentamente mastigando minha paciência
Como se minha vida fosse uma ciência
Em que pudesse experimentar

O jeito que você me chama
Sussurrando cada sílaba do meu nome
Até que eu me viro e você some
E eu fico olhando o nada

O jeito que você canta
Estapeando cada um dos meus sentidos
E eu em dor, em mil gemidos
E você olhando o céu

O jeito é continuar a viver
Pensando num jeito de te esquecer

Buquê

Sozinha chegou e sozinha saiu
Uma mulher de roupa branca
Cantando os versos de Espanca
Tomando vinho do cantil

Andava por toda a sala
Mexendo todos os dedos
Guardando seus próprios segredos
Sentada num banco que estala

Fechou todas as janelas
Olhou as pinturas belas
Comeu um pedaço de pão

Subiu todas as favelas
Curou todas as mazelas
Chorou e molhou o chão

domingo, 29 de agosto de 2010

Pré-Letrada

Névoa cobrindo o rosto da memória
Passo a passo desfazendo
Caminhando e esquecendo
Mudando o resto da história

Tirando leite de nuvem
Esculpindo fumaça
Bebendo ar
Comendo fala

Lua incandescente queimando aos olhos nus
À beira da estrada, fazendo nada
Jogando pedras n'água
Pensando em amores crus


Solidão bem acompanhada
Sem palavras pra te dizer
Sem saber como entender
Silêncio entre eu e você

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O Homem que Amava Caixas

Estava perdido entre tantas estantes de livros empoeirados, fascinado pelas capas antigas dos livros, que me olhavam de forma desconcertante. Há livros demais no mundo. Nunca conseguirei ler todos eles.
Ele sai de trás de uma das estantes carregando um grande estojo de couro vinho, com um fecho dourado. Olha pra mim.
- Que belo estojo, não?
- Realmente, um belo estojo. De quê?
- Não sei, mas adoro caixas. E um dia meu filho há de escrever um livro: "O Homem que Amava Caixas"

[...]

Ao chegar em casa, coloca o estojo perto de tantas outras caixas. Vazias?
E à noite, no escuro, olhava para aquelas caixas. E pra quê tantas caixas?
E comecei a folhear os livros daquela estante. O dedo passando pelos vãos entre um e outro, sentindo a poeira que ali estava para comprovar a longa vida daquele objeto inanimado que, sem ter vida, dá vida a pensamentos. E vi a poeira, a tênue poeira que começava a se juntar sobre aquela caixa. Aquele estojo.

Vinho.

Adoçava minha boca enquanto eu continuava a pensar. Pra que diabos tantas caixas? E parecia preso numa rota fechada que me fazia circular por todo o quarto. E de repente pensei naquilo que ele levava para todo lugar. Mas aquilo que de alguma forma parecia ficar contido naquelas caixas. Poesia, histórias, causos, piadas, amores, desventuras, traquinagens, teimosias, rebeldias, coragens, medos, crepúsculos, alvoradas, noites e madrugadas. E aquela poeira assentava sobre aquelas caixas abarrotadas. De vida.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Baço

Fui conversar com o espelho:

- O que te aflige meu caro amigo?
- Não sei dizer ao certo.
- Mas se você não sabe, quem é que pode saber?
- Mas se não souberem não poderão fazer nada.
- E mesmo se soubesse, o que é que iam fazer? Arrancar meu coração do peito?
- Se for necessário. Ver seu sangue pode te provar que você está vivo.
- Ou que estava.

[...]

-Vou correr, mas pra onde?
- Por que não tenta ir até o Horizonte.
- Mas o que me espera lá? O Sol pra me queimar, ou a escuridão pra eu me perder?
- Quem disse que você precisa da luz pra te guiar?
- E vou seguir o quê? Meu coração? Não sei se você já reparou, o único lugar que vou chegar seguindo meu coração é atrás das minhas costelas.
- E se os outros soubessem? Já não teriam arrancado seu coração.
[...]
- Vai saber aonde eles o iriam deixar.