quinta-feira, 29 de julho de 2010

O Homem que Amava Caixas

Estava perdido entre tantas estantes de livros empoeirados, fascinado pelas capas antigas dos livros, que me olhavam de forma desconcertante. Há livros demais no mundo. Nunca conseguirei ler todos eles.
Ele sai de trás de uma das estantes carregando um grande estojo de couro vinho, com um fecho dourado. Olha pra mim.
- Que belo estojo, não?
- Realmente, um belo estojo. De quê?
- Não sei, mas adoro caixas. E um dia meu filho há de escrever um livro: "O Homem que Amava Caixas"

[...]

Ao chegar em casa, coloca o estojo perto de tantas outras caixas. Vazias?
E à noite, no escuro, olhava para aquelas caixas. E pra quê tantas caixas?
E comecei a folhear os livros daquela estante. O dedo passando pelos vãos entre um e outro, sentindo a poeira que ali estava para comprovar a longa vida daquele objeto inanimado que, sem ter vida, dá vida a pensamentos. E vi a poeira, a tênue poeira que começava a se juntar sobre aquela caixa. Aquele estojo.

Vinho.

Adoçava minha boca enquanto eu continuava a pensar. Pra que diabos tantas caixas? E parecia preso numa rota fechada que me fazia circular por todo o quarto. E de repente pensei naquilo que ele levava para todo lugar. Mas aquilo que de alguma forma parecia ficar contido naquelas caixas. Poesia, histórias, causos, piadas, amores, desventuras, traquinagens, teimosias, rebeldias, coragens, medos, crepúsculos, alvoradas, noites e madrugadas. E aquela poeira assentava sobre aquelas caixas abarrotadas. De vida.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Baço

Fui conversar com o espelho:

- O que te aflige meu caro amigo?
- Não sei dizer ao certo.
- Mas se você não sabe, quem é que pode saber?
- Mas se não souberem não poderão fazer nada.
- E mesmo se soubesse, o que é que iam fazer? Arrancar meu coração do peito?
- Se for necessário. Ver seu sangue pode te provar que você está vivo.
- Ou que estava.

[...]

-Vou correr, mas pra onde?
- Por que não tenta ir até o Horizonte.
- Mas o que me espera lá? O Sol pra me queimar, ou a escuridão pra eu me perder?
- Quem disse que você precisa da luz pra te guiar?
- E vou seguir o quê? Meu coração? Não sei se você já reparou, o único lugar que vou chegar seguindo meu coração é atrás das minhas costelas.
- E se os outros soubessem? Já não teriam arrancado seu coração.
[...]
- Vai saber aonde eles o iriam deixar.