sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Estrânsito

Eles buzinam
Buzinam sem parar
E o verde, imponente,
Se levanta à minha frente

Por que então estou parado?

Eles gritam
Ameaçam sem pensar
E os meus pés não se mexem
Não saio do lugar

Por que estou tão parado?

Chumbo
Chumbo grosso
Imóvel ali
No chão
Sem dono nem mão
Sem salário
Sem patrão

Eles buzinam
Buzinam sem parar
Não adianta
Não vou sair do meu lugar

Até que seja hora.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Não adianta. Às vezes você acorda, e o mundo parece não te agradar. Você sente necessidade de quebrar algo. Começa com um lápis, um papel rasgado. Não serve, você continua com raiva, e não sabe do quê. Você tenta escrever e quebra as frases no meio. Você queima o arroz, derruba o copo, grita com seu cachorro. Mas na hora de falar com alguém você simplesmente sorri.
Você bebe, você fuma, você dorme. Nada.
Você procura outras coisas pra quebrar. O tímpano do seu vizinho por exemplo.
E você acaba quebrando as coisas erradas. Pessoas.
O menor motivo já é um motivo pra você fazer elas se sentirem mal.
Você ataca todos. Começa a perder os motivos. Você tem vontade de gritar.
Após um dia exaustivo, você chega em casa, tira o tênis no caminho pro banheiro, joga água na cara e olha no espelho. Aí finalmente você fica puto com a única pessoa que mereceu no dia. Você.

sábado, 20 de novembro de 2010

Engraçado como sinto sua falta se te tenho tão perto. Mas é que você por natureza é tão distante. Vive no seu mundo de sonhos, sem laços e sem compromissos. E me assusto quando te vejo andando em meio ao povo, olhando pra baixo, como que com vergonha de ser tão grandiosa. Como se fosse uma afronta ao mundo que alguém assim pudesse nascer. E se você se fecha com tudo que há dentro de você, não sobra espaço pra mim.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Voodoo

Primeiro fomos dobrados
De arame puro, modelados
Não escolhemos nossa aparência
Não fizeram nossa consciência

Depois nos enrolaram em linha
Você com a sua, e eu com a minha
E cada uma sendo de uma cor
O sua o sol nascer, e a minha o sol se pôr

Nos colaram uma cabeça
Pra que pensamentos
A gente não se esqueça

Nos enfiaram alfinetes
Pra em nosso corpo
Deixar lembretes

E no final, nos esquentaram numa noite fria
E o fogo que subia dos meus próprios pés
Era a última coisa que eu via.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dominó

Faltou um amargo no gole da cerveja
Um certo doce no último gole de vinho
No topo do bolo, faltou uma cereja

Na corrida faltou um obstáculo
Na escalada faltou a montanha
Do terremoto faltou o abalo

Do meu sorriso faltaram os dentes
Durante a missa faltaram os crentes
Do acorde, faltava a quinta
Da platéia, alguém que sinta

Do Sol, faltava a Lua
Do Céu, faltava o Chão
Do Azul, faltava a Chuva
Do Amor, faltava Paixão

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Poeira e Pó

Andava pedindo socorro
Vagando por becos escuros
Desenhando em ruas e muros

Meus gritos são sino de ouro
Ecoando por ouvidos puros
Cavando buracos a murros

Já meu choro é todo sujo
Deixa marcas pelas rotas que fujo
Minhas lágrimas, pistas de onde passei
Para que me siga o exército do rei

Minhas pernas tremem atrás da porta
Abro e caminho, tremendo, a boca torta
Enquanto a forca se aproxima
Sai da minha garganta a última rima

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Caixinha de Música

Me confundo em você
Não sei onde termino
E onde começa o seu domínio

Vejo que não há limites
Pois teu domínio se estende
Sobre cada mínima parte do meu corpo
Medíocre e humano

Sei que dominas cada canto escuro,
Cada parte misteriosa
Todos os mínimos detalhes
Da minha mente vã

Está em ti o maior pedaço
Do meu coração despedaçado,
Obra da tua mão descuidada,
Que as lágrimas não colaram

Quando eu grito
Das formas mais desesperadas
Conhecidas pela humanidade

Nada se ouve
Pois minha voz está guardada
Numa caixa embaixo da tua cama

E eu a guardei aí
Para que em tuas noites solitárias
Quando nem te lembres da minha exitência

Eu possa de longe cantar
As humildes canções, nas quais tentei
Traduzir minha alma e meu amor

E eu espero que você,
Imprudente e gentil,
Ao ouvir minhas singelas notas
E minhas tortas palavras

Sinta bater em ti, novamente,
O pedaço que te dei
E que este pulsar te acalme
Para que possas dormir bem

2001

Estrelas são cabeças
Queimando para sempre
Em seu infinito particular

As idéias que queimam
Deixam loucos os novos aventureiros
Que buscam conforto no espaço

Quem poderá dizer
O que era antes de ser queimado?
O que era antes
Agora e sempre?

Você me abraçaria
Se eu batesse em sua porta
Com a cabeça em chamas?

E queima...
...eternamente

Eu posso ver as estrelas
Tão perto
Tão perto
As estrelas estão caindo

O céu sobre a minha cabeça
Já não é mais o mesmo de antes
As nuvens correm rápidas
Em lugares distantes

As estrelas estão caindo
Aos meus pés no chão
Já não são mais as mesmas
Tão perto, tão perto

O azul cega meus olhos
Pintado de branco, me cega
Não posso olhar pra imensidão
O infinito me assusta

Quem sabe um dia
Quando todas as estrelas estiverem no chão
Poderemos andar pelo céu
Como deuses...
...esquecidos

Eu quero esquecer
Apagar da minha memória
Benditos erros
Me fazer querer

Eu posso ver as estrelas
Tão perto
Tão perto
As estrelas estão caindo

E doem ao bater na minha memória

Tenho medo do infinito
E quero esquecer
Deuses...
...esquecidos

É hora de andar.

Mentirosamente

Sinceramente
Sutilmente
Delicadamente
Suavemente
Atenciosamente
Verdadeiramente
Loucamente
Simplesmente
Levianamente
Descuidadamente
Agressivamente

Porquemente?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Rosa-Grafite

A água subia em forma de nuvens
Embaçando o fundo das garrafas
Que os olhos usam para enxergar as graças
Do ar que vem dos pulmões de alguém

De longe o som que vinha dos pés
Subindo devagar os diversos degraus
Na superfície da minha face, aumentando alguns graus
E eu olho pra baixo, qual como da beira de um convés

E ao sentar sozinho na beirada da calçada
Com a mão o busco o beijo da uva fermentada
Tento fazer da minha própria embriaguez uma escada

E que cada lágrima que caia do meu rosto
Possa botar em sua boca o resquício do gosto
Que lá irá ficar, do Carnaval ao fim de Agosto

Ao final da garrafa arroxeada
Olho para minhas mãos, uma chaga em cada
Sinto a dor dos amantes fracassados da História
Que deixaram escapar por entre os dedos raios de glória

Um grito escapa das grades de meus lábios
Enquanto, de braços abertos, chamo o Mar a me abraçar
Para que, embebido em sua solução salubre, possa chorar
E que minhas lágrimas se confundam com aquelas derramadas
Quer pelos loucos ou pelos sábios

Trejeitos

O jeito que você me olha
Lentamente mastigando minha paciência
Como se minha vida fosse uma ciência
Em que pudesse experimentar

O jeito que você me chama
Sussurrando cada sílaba do meu nome
Até que eu me viro e você some
E eu fico olhando o nada

O jeito que você canta
Estapeando cada um dos meus sentidos
E eu em dor, em mil gemidos
E você olhando o céu

O jeito é continuar a viver
Pensando num jeito de te esquecer

Buquê

Sozinha chegou e sozinha saiu
Uma mulher de roupa branca
Cantando os versos de Espanca
Tomando vinho do cantil

Andava por toda a sala
Mexendo todos os dedos
Guardando seus próprios segredos
Sentada num banco que estala

Fechou todas as janelas
Olhou as pinturas belas
Comeu um pedaço de pão

Subiu todas as favelas
Curou todas as mazelas
Chorou e molhou o chão

domingo, 29 de agosto de 2010

Pré-Letrada

Névoa cobrindo o rosto da memória
Passo a passo desfazendo
Caminhando e esquecendo
Mudando o resto da história

Tirando leite de nuvem
Esculpindo fumaça
Bebendo ar
Comendo fala

Lua incandescente queimando aos olhos nus
À beira da estrada, fazendo nada
Jogando pedras n'água
Pensando em amores crus


Solidão bem acompanhada
Sem palavras pra te dizer
Sem saber como entender
Silêncio entre eu e você

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O Homem que Amava Caixas

Estava perdido entre tantas estantes de livros empoeirados, fascinado pelas capas antigas dos livros, que me olhavam de forma desconcertante. Há livros demais no mundo. Nunca conseguirei ler todos eles.
Ele sai de trás de uma das estantes carregando um grande estojo de couro vinho, com um fecho dourado. Olha pra mim.
- Que belo estojo, não?
- Realmente, um belo estojo. De quê?
- Não sei, mas adoro caixas. E um dia meu filho há de escrever um livro: "O Homem que Amava Caixas"

[...]

Ao chegar em casa, coloca o estojo perto de tantas outras caixas. Vazias?
E à noite, no escuro, olhava para aquelas caixas. E pra quê tantas caixas?
E comecei a folhear os livros daquela estante. O dedo passando pelos vãos entre um e outro, sentindo a poeira que ali estava para comprovar a longa vida daquele objeto inanimado que, sem ter vida, dá vida a pensamentos. E vi a poeira, a tênue poeira que começava a se juntar sobre aquela caixa. Aquele estojo.

Vinho.

Adoçava minha boca enquanto eu continuava a pensar. Pra que diabos tantas caixas? E parecia preso numa rota fechada que me fazia circular por todo o quarto. E de repente pensei naquilo que ele levava para todo lugar. Mas aquilo que de alguma forma parecia ficar contido naquelas caixas. Poesia, histórias, causos, piadas, amores, desventuras, traquinagens, teimosias, rebeldias, coragens, medos, crepúsculos, alvoradas, noites e madrugadas. E aquela poeira assentava sobre aquelas caixas abarrotadas. De vida.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Baço

Fui conversar com o espelho:

- O que te aflige meu caro amigo?
- Não sei dizer ao certo.
- Mas se você não sabe, quem é que pode saber?
- Mas se não souberem não poderão fazer nada.
- E mesmo se soubesse, o que é que iam fazer? Arrancar meu coração do peito?
- Se for necessário. Ver seu sangue pode te provar que você está vivo.
- Ou que estava.

[...]

-Vou correr, mas pra onde?
- Por que não tenta ir até o Horizonte.
- Mas o que me espera lá? O Sol pra me queimar, ou a escuridão pra eu me perder?
- Quem disse que você precisa da luz pra te guiar?
- E vou seguir o quê? Meu coração? Não sei se você já reparou, o único lugar que vou chegar seguindo meu coração é atrás das minhas costelas.
- E se os outros soubessem? Já não teriam arrancado seu coração.
[...]
- Vai saber aonde eles o iriam deixar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Em cima do piano

Vou sentir saudades calado
Vou passar minha tardes só
Vou ver meus filmes
Vou ficar embriagado

Vou andar devagar
Imaginar minhas pegada atrás
Olhar pro céu, fechar os olhos
Pensar na vida e pensar

Vou tirar o sapato
Andar na grama
Ver o Sol apagado
Ver quem é que derrama

O copo cheio de rancor que em cima do piano ficou.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Aponta pra fé e rema.

Hoje eu ajoelhei para rezar. Rezar para quem? Rezar por quem? Rezar para quê? Os pensamentos passavam velozes na minha cabeça enquanto eu vasculhava meu arquivo de preces procurando algo pelo que rezar. Não estava sendo uma tarefa muito fácil, e meus dedos ficaram impacientes. Começaram a tamborilar. Minha prece foi desbotando. Meu pé começou a se mexer repetidamente, como se quisesse ir para algum lugar, como se tivesse pressa para encontrar alguém. Em minha prece já não restava o menor indício de cor. Meus olhos piscavam loucamente, como se uma luz num fim de um longo e escuro túnel os cegasse. Lentamente minha prece se tornou uma longa divagação.

Me levantei e sentei na cama. Não havia mais razao para permanecer em posição de penitência se eu não estava me reportando a nenhum ente superior que exige meu arrependimento. Revisitei meu passado e todas as coisas em que deixei de acreditar. Divindades, ideologias, pessoas. E por aí já se ia o quinto cigarro. Drogas.

Já me disseram que o caráter de um sujeito se mede pela convicção que ele tem em suas crenças. Naquele momento me senti ofendido. Afinal, que eu me lembrasse não me restava nenhuma crença.

Aponta pra fé e rema.

Fé em quem? Em mim mesmo? Essa eu já tinha perdido há muito tempo.
E vem algo da TV. "Acredite na beleza". Olhei para aquele enorme aparelho e vi o modelo ideal de mulher. Mera estratégia de vendas. Mas a frase continuou martelando em minha cabeça.

Eu acreditava na beleza? Saí para caminhar, procurando identificar a beleza (a real beleza, não a dos cosméticos). Comecei procurando em lugares óbvios. Museus, cinema, natureza. Não me satisfazia. Sempre procurando em novos lugares, esperando ver a cada esquina a beleza encarnada. Após semanas exaustivas de busca eu desisti. Minha última esperança de crença tinha ido embora. Me conformei em ser um sujeito sem caráter.

Os meses passaram. Mesmo que imperceptíveis, já haviam mudanças em meu rosto. Meu cabelo estava diferente. Mas eu continuava me olhando no espelho como um estranho. Peguei minha mochila e saí daquela casa estranha, que por algum motivo chamava de minha. Hoje eu tinha destino certo.

Meu encontro era com o outro lado da parede. E num piscar de olhos a teoria ganhou vida. Via na minha frente o poço dos olhos perdidos em velhas lembranças, me contando cenas que assombrariam meus sonhos nas semanas seguintes. Mas por mais perdida que parecesse a situação, senti ali um toque de esperança, uma firmeza na voz própria daqueles que tem uma causa, que lutam. E aquela sala tão precária assumiu cores que eu não havia percebido nos museus em meses passados. Olhei de pontos de vista que nem uma câmera conseguiria captar. Na saída até a grama parecia ter um cheiro diferente.

No ônibus só conseguia pensar. Lembrando dos últimos meses vi que as coisas não tomaram cor de repente. Alguma coisa vinha acontecendo. Alguma mudança que eu não havia reparado, que me vinha fazendo ver novos traços a cada dia.

A noite caiu, as pessoas foram para suas casas. Eu estava ali sentado, com pessoas que riam de mim, e uma taça de vinho nas mãos. Eu ria com elas. Afinal, era engraçado. No fim da música eu me dei conta das pinturas em volta. Quando começou outra música, me encantei com os acordes.
E pensei: "Música bonita"

"Bonita"

O que eu vinha enxergando era beleza.

Voltei a alguns cinemas, vi uma ou outra obra de arte, entrei em contato com a natureza, e voltei a acreditar na beleza.

De onde ela veio? Onde ela estava que antes eu não conseguia achá-la?

Estava ali o tempo todo. Mas a beleza é como um bife. Pode ser o melhor bife do mundo, mas você não gostaria de comê-lo sem tempero. Então eu tinha encontrado o tempero.

Boa companhia.

Bons amigos.

Eu acredito na beleza.

E de repente a fé voltou. Ajoelhei e rezei. Pra mim mesmo.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

(Ma)terno

Quem diria que tudo
Acabaria assim?
Um meio sem freio
Um começo sem fim

Do preço um "me esqueço"
Do lado sentado
Alguém que conheço
Um rosto do passado

E quando for te ver
Sinto um abraço
Me deste aquele presente
Sem caixa e sem laço

Mas que outro presente
Poderias me dar?
Tudo que eu quis
Foi minha vida, meu lar

Aonde mais poderia estar?

domingo, 4 de abril de 2010

Epitáfio

Acho que ele estava procurando paz. Acho que todos estamos. Correndo em círculos, correndo perigos, saltando por precípios, tentando apenas encontrar paz. Seja numa cadeira de uma velha palha quase dourada, mas também gasta pelo tempo, na varanda de um sítio, apenas a observar e tentar entender os complexos movimentos da natureza. Seja numa injeção de adrenalina, na qual relevamos tudo aquilo que nos envolve, todos os problemas momentâneos, todas as coisas terrenas e banais, e tudo que fica é a imagem daquela montanha vista de cima.

Ele encontrou seu abraço num cano de metal. Frio, inflexível, mas, para ele, carinhoso. E é engraçado sentir como se fosse um amigo íntimo desse rapaz cujo rosto nem me é familiar. O conheço apenas pela impressão de outros, mas posso vê-lo andando em meio a neve, procurando um lugar que lhe apetecesse. Quando a sola de sua bota encontrou aquele pedaço mais macia de chao, bem à sombra de um grande carvalho centenário, não teve dúvidas.
Morreria ali, aos pés daquela majestosa árvore.


Acho realmente que ele não se deu conta de sua escolha, não pensou isso um minuto. Mas algo naquele lugar o fez se sentir seguro. O fez se sentir confortável. O fez se sentir corajoso. E foi lá que ele experimentou o beijo da morte.


O verde das árvores pareceu chorar. Gotas de orvalho caìam à sua volta, e pareciam tentar esboçar cada letra do seu nome. A vida perdia mais um filho. A morte conseguia outro marido. Foi nesse momento que um pássaro que voava por ali passou por cima daquele imponente carvalho, e resolveu ali depositar seus ovos. Encontrou um ninho já pronto. O casaco do menino jogado por sobre os galhos. E dali, antes que as autoridades encontrassem o corpo, nasceram novos seres. Que voaram, em busca de paz.

terça-feira, 23 de março de 2010

Secretaria de Educação - 2

E o tempo parecia não passar. Os minutos pareciam comportar a vida inteira de uma estrela. Cada ruído parecia incorporar as mais longas e intrincadas melodias. As nuvens entravam e saíam por minha caverna bucal. Os pensamentos vagavam por lugares distantes, revisitando memórias de dias chuvosos, em cidades saudosas, em tempos passados, quase sépia. Centenas de rostos, de vozes, de cheiros. Saio correndo das memórias pueris, vou parar em noites boêmias, percepções distorcidas, cores escuras, lágrimas e suor. Músicas pulsantes que levam mesmo meu pé material a se mexer conforme o ritmo. Essa música me cansa.
Entro então em mundos alheios. Festas, amores, traições, famílias. Vivendo com intensidade essa variedade de histórias, de tristezas, de glórias. Sentir o cheiros, lamber os gostos, ter até orgasmos em outras peles, em outros lugares, com outras histórias.

E numa nova consulta ao relógio: 2 minutos se passaram.

Busco um território mais vasto: As possibilidades que não foram. As mil e uma noites, as mil e uma mulheres, as mil e uma músicas. Ando pelas ruas não construídas, e me sento sozinho no banco de uma praça inexistente, em alguma cidade, a mim desconhecida, da Europa Oriental. Eis que me chega o cachorro que ainda não tive. São Bernardo, com o pequeno barril ao pescoço, deita afavelmente a cabeça sobre meu colo, molhando lentamente a barra do meu casaco. Levanto e chamo meu companheiro para um passeio pelas ruas nas quais nunca andei, pra visitar minhas ex-possíveis-namoradas. E logo no primeiro ex-encontro, descemos juntos para um passeio das gondôlas que eu não conheci, com o vinho que nunca provei, doce, mas com um quê de amargo que lhe dá o sabor distinto dos vinhos caros. E naquele pôr do sol, já me encontro em cima de uma bicicleta, pedalando pelas estradas rústicas da Toscana, indo para meu vinhedo possivelmente recém adquirido.


Um ronco vem de longe.
E a visão que eu mais esperava.
O ônibus azul se aproxima: 0909 - Aqui e agora