Hoje eu ajoelhei para rezar. Rezar para quem? Rezar por quem? Rezar para quê? Os pensamentos passavam velozes na minha cabeça enquanto eu vasculhava meu arquivo de preces procurando algo pelo que rezar. Não estava sendo uma tarefa muito fácil, e meus dedos ficaram impacientes. Começaram a tamborilar. Minha prece foi desbotando. Meu pé começou a se mexer repetidamente, como se quisesse ir para algum lugar, como se tivesse pressa para encontrar alguém. Em minha prece já não restava o menor indício de cor. Meus olhos piscavam loucamente, como se uma luz num fim de um longo e escuro túnel os cegasse. Lentamente minha prece se tornou uma longa divagação.
Me levantei e sentei na cama. Não havia mais razao para permanecer em posição de penitência se eu não estava me reportando a nenhum ente superior que exige meu arrependimento. Revisitei meu passado e todas as coisas em que deixei de acreditar. Divindades, ideologias, pessoas. E por aí já se ia o quinto cigarro. Drogas.
Já me disseram que o caráter de um sujeito se mede pela convicção que ele tem em suas crenças. Naquele momento me senti ofendido. Afinal, que eu me lembrasse não me restava nenhuma crença.
Aponta pra fé e rema.
Fé em quem? Em mim mesmo? Essa eu já tinha perdido há muito tempo.
E vem algo da TV. "Acredite na beleza". Olhei para aquele enorme aparelho e vi o modelo ideal de mulher. Mera estratégia de vendas. Mas a frase continuou martelando em minha cabeça.
Eu acreditava na beleza? Saí para caminhar, procurando identificar a beleza (a real beleza, não a dos cosméticos). Comecei procurando em lugares óbvios. Museus, cinema, natureza. Não me satisfazia. Sempre procurando em novos lugares, esperando ver a cada esquina a beleza encarnada. Após semanas exaustivas de busca eu desisti. Minha última esperança de crença tinha ido embora. Me conformei em ser um sujeito sem caráter.
Os meses passaram. Mesmo que imperceptíveis, já haviam mudanças em meu rosto. Meu cabelo estava diferente. Mas eu continuava me olhando no espelho como um estranho. Peguei minha mochila e saí daquela casa estranha, que por algum motivo chamava de minha. Hoje eu tinha destino certo.
Meu encontro era com o outro lado da parede. E num piscar de olhos a teoria ganhou vida. Via na minha frente o poço dos olhos perdidos em velhas lembranças, me contando cenas que assombrariam meus sonhos nas semanas seguintes. Mas por mais perdida que parecesse a situação, senti ali um toque de esperança, uma firmeza na voz própria daqueles que tem uma causa, que lutam. E aquela sala tão precária assumiu cores que eu não havia percebido nos museus em meses passados. Olhei de pontos de vista que nem uma câmera conseguiria captar. Na saída até a grama parecia ter um cheiro diferente.
No ônibus só conseguia pensar. Lembrando dos últimos meses vi que as coisas não tomaram cor de repente. Alguma coisa vinha acontecendo. Alguma mudança que eu não havia reparado, que me vinha fazendo ver novos traços a cada dia.
A noite caiu, as pessoas foram para suas casas. Eu estava ali sentado, com pessoas que riam de mim, e uma taça de vinho nas mãos. Eu ria com elas. Afinal, era engraçado. No fim da música eu me dei conta das pinturas em volta. Quando começou outra música, me encantei com os acordes.
E pensei: "Música bonita"
"Bonita"
O que eu vinha enxergando era beleza.
Voltei a alguns cinemas, vi uma ou outra obra de arte, entrei em contato com a natureza, e voltei a acreditar na beleza.
De onde ela veio? Onde ela estava que antes eu não conseguia achá-la?
Estava ali o tempo todo. Mas a beleza é como um bife. Pode ser o melhor bife do mundo, mas você não gostaria de comê-lo sem tempero. Então eu tinha encontrado o tempero.
Boa companhia.
Bons amigos.
Eu acredito na beleza.
E de repente a fé voltou. Ajoelhei e rezei. Pra mim mesmo.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
(Ma)terno
Quem diria que tudo
Acabaria assim?
Um meio sem freio
Um começo sem fim
Do preço um "me esqueço"
Do lado sentado
Alguém que conheço
Um rosto do passado
E quando for te ver
Sinto um abraço
Me deste aquele presente
Sem caixa e sem laço
Mas que outro presente
Poderias me dar?
Tudo que eu quis
Foi minha vida, meu lar
Aonde mais poderia estar?
Acabaria assim?
Um meio sem freio
Um começo sem fim
Do preço um "me esqueço"
Do lado sentado
Alguém que conheço
Um rosto do passado
E quando for te ver
Sinto um abraço
Me deste aquele presente
Sem caixa e sem laço
Mas que outro presente
Poderias me dar?
Tudo que eu quis
Foi minha vida, meu lar
Aonde mais poderia estar?
domingo, 4 de abril de 2010
Epitáfio
Acho que ele estava procurando paz. Acho que todos estamos. Correndo em círculos, correndo perigos, saltando por precípios, tentando apenas encontrar paz. Seja numa cadeira de uma velha palha quase dourada, mas também gasta pelo tempo, na varanda de um sítio, apenas a observar e tentar entender os complexos movimentos da natureza. Seja numa injeção de adrenalina, na qual relevamos tudo aquilo que nos envolve, todos os problemas momentâneos, todas as coisas terrenas e banais, e tudo que fica é a imagem daquela montanha vista de cima.
Ele encontrou seu abraço num cano de metal. Frio, inflexível, mas, para ele, carinhoso. E é engraçado sentir como se fosse um amigo íntimo desse rapaz cujo rosto nem me é familiar. O conheço apenas pela impressão de outros, mas posso vê-lo andando em meio a neve, procurando um lugar que lhe apetecesse. Quando a sola de sua bota encontrou aquele pedaço mais macia de chao, bem à sombra de um grande carvalho centenário, não teve dúvidas.
Morreria ali, aos pés daquela majestosa árvore.
Acho realmente que ele não se deu conta de sua escolha, não pensou isso um minuto. Mas algo naquele lugar o fez se sentir seguro. O fez se sentir confortável. O fez se sentir corajoso. E foi lá que ele experimentou o beijo da morte.
O verde das árvores pareceu chorar. Gotas de orvalho caìam à sua volta, e pareciam tentar esboçar cada letra do seu nome. A vida perdia mais um filho. A morte conseguia outro marido. Foi nesse momento que um pássaro que voava por ali passou por cima daquele imponente carvalho, e resolveu ali depositar seus ovos. Encontrou um ninho já pronto. O casaco do menino jogado por sobre os galhos. E dali, antes que as autoridades encontrassem o corpo, nasceram novos seres. Que voaram, em busca de paz.
Ele encontrou seu abraço num cano de metal. Frio, inflexível, mas, para ele, carinhoso. E é engraçado sentir como se fosse um amigo íntimo desse rapaz cujo rosto nem me é familiar. O conheço apenas pela impressão de outros, mas posso vê-lo andando em meio a neve, procurando um lugar que lhe apetecesse. Quando a sola de sua bota encontrou aquele pedaço mais macia de chao, bem à sombra de um grande carvalho centenário, não teve dúvidas.
Morreria ali, aos pés daquela majestosa árvore.
Acho realmente que ele não se deu conta de sua escolha, não pensou isso um minuto. Mas algo naquele lugar o fez se sentir seguro. O fez se sentir confortável. O fez se sentir corajoso. E foi lá que ele experimentou o beijo da morte.
O verde das árvores pareceu chorar. Gotas de orvalho caìam à sua volta, e pareciam tentar esboçar cada letra do seu nome. A vida perdia mais um filho. A morte conseguia outro marido. Foi nesse momento que um pássaro que voava por ali passou por cima daquele imponente carvalho, e resolveu ali depositar seus ovos. Encontrou um ninho já pronto. O casaco do menino jogado por sobre os galhos. E dali, antes que as autoridades encontrassem o corpo, nasceram novos seres. Que voaram, em busca de paz.
terça-feira, 23 de março de 2010
Secretaria de Educação - 2
E o tempo parecia não passar. Os minutos pareciam comportar a vida inteira de uma estrela. Cada ruído parecia incorporar as mais longas e intrincadas melodias. As nuvens entravam e saíam por minha caverna bucal. Os pensamentos vagavam por lugares distantes, revisitando memórias de dias chuvosos, em cidades saudosas, em tempos passados, quase sépia. Centenas de rostos, de vozes, de cheiros. Saio correndo das memórias pueris, vou parar em noites boêmias, percepções distorcidas, cores escuras, lágrimas e suor. Músicas pulsantes que levam mesmo meu pé material a se mexer conforme o ritmo. Essa música me cansa.
E numa nova consulta ao relógio: 2 minutos se passaram.
Entro então em mundos alheios. Festas, amores, traições, famílias. Vivendo com intensidade essa variedade de histórias, de tristezas, de glórias. Sentir o cheiros, lamber os gostos, ter até orgasmos em outras peles, em outros lugares, com outras histórias.
E numa nova consulta ao relógio: 2 minutos se passaram.
Busco um território mais vasto: As possibilidades que não foram. As mil e uma noites, as mil e uma mulheres, as mil e uma músicas. Ando pelas ruas não construídas, e me sento sozinho no banco de uma praça inexistente, em alguma cidade, a mim desconhecida, da Europa Oriental. Eis que me chega o cachorro que ainda não tive. São Bernardo, com o pequeno barril ao pescoço, deita afavelmente a cabeça sobre meu colo, molhando lentamente a barra do meu casaco. Levanto e chamo meu companheiro para um passeio pelas ruas nas quais nunca andei, pra visitar minhas ex-possíveis-namoradas. E logo no primeiro ex-encontro, descemos juntos para um passeio das gondôlas que eu não conheci, com o vinho que nunca provei, doce, mas com um quê de amargo que lhe dá o sabor distinto dos vinhos caros. E naquele pôr do sol, já me encontro em cima de uma bicicleta, pedalando pelas estradas rústicas da Toscana, indo para meu vinhedo possivelmente recém adquirido.
Um ronco vem de longe.
E a visão que eu mais esperava.
E a visão que eu mais esperava.
O ônibus azul se aproxima: 0909 - Aqui e agora
Assinar:
Postagens (Atom)