domingo, 1 de maio de 2011

“Mais um dia se passou na apatia de viver como um mortal. Sem saber até quando posso ir, sem saber aonde vai dar. Tudo que eu pude falar, que eu pude pensar, que eu pude imaginar, eu falei, pensei, imaginei. Nada do que eu pude fazer eu fiz. Deixei tudo pra depois sem pensar em como recuperar o tempo perdido. Mas como recuperar o tempo? Não se pode voltar atrás, e ao tentar fazer aquilo que ficou pra trás, perde-se mais tempo. E o tempo é um dom precioso que eu abandonei por opção. Sendo ciente da minha própria mortalidade, eu deixei de me importar com os assuntos da vida, para pensar nos assuntos da morte. Mas não seria a morte uma parte da vida? E se fosse, não seria apenas mais uma experiência a ser vivida? Mas a grande questão é: e se for a última? E se eu não tiver mais a chance de estar perto das pessoas que me inspiram a cantar? Aquelas presentes em cada um dos meus versos, cada uma das minha frases, cada frágil respirar. Conseguirei viver (ou morrer) sozinho, andando pela estrada como um andarilho, sem ter nada mais pra me preocupar? Ou é a preocupação que me leva à ambição de ser grande, de fazer a diferença, de me fazer notar?”

O menino ponderava isso sozinho, longe de casa, com nada mais que o som do adormecer ao seu redor. A lua iluminava cada resto de pensamento que ainda sobrava naquela cabeça entorpecida pelo vinho, que o cigarro ajudava a desvendar. Fazendo seus últimos esforços antes que a maldição do sono o pegasse também, o menino buscava palavras bonitas que o fizessem sentir como seus ídolos, sentir como se ele tivesse algum poder sobre a realidade, como se ele pudesse se destacar da massa amorfa que o cerca nos dias ordinários da labuta. Mas ele sabe que seu sonho de grandeza não é exclusivo, e, na verdade, nem um pouco original. Seus escritos povoam outros cadernos de outros jovens que se creem igualmente espciais, e sabe que ele acaba se tornando um grande clichê ambulante, lutando contra uma realidade que ele não pode derrotar. Mas talvez ele não ligue de ser igual aos outros, porque ele sabe que no fundo, pra ele faz diferença.

A tinta da caneta começava a acabar enquanto ele buscava apenas mais um frase de efeito para acabar seu texto patético, metalinguístico e auto-reflexivo, mas ele não se importava. Não tinha nada melhor para fazer naquele fim de noite tétrico que o circundava, enquanto o Sol insistia em vir atrapalhar seus pensamentos.

Filho de peixe, peixinho é.

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