quarta-feira, 26 de maio de 2010

Aponta pra fé e rema.

Hoje eu ajoelhei para rezar. Rezar para quem? Rezar por quem? Rezar para quê? Os pensamentos passavam velozes na minha cabeça enquanto eu vasculhava meu arquivo de preces procurando algo pelo que rezar. Não estava sendo uma tarefa muito fácil, e meus dedos ficaram impacientes. Começaram a tamborilar. Minha prece foi desbotando. Meu pé começou a se mexer repetidamente, como se quisesse ir para algum lugar, como se tivesse pressa para encontrar alguém. Em minha prece já não restava o menor indício de cor. Meus olhos piscavam loucamente, como se uma luz num fim de um longo e escuro túnel os cegasse. Lentamente minha prece se tornou uma longa divagação.

Me levantei e sentei na cama. Não havia mais razao para permanecer em posição de penitência se eu não estava me reportando a nenhum ente superior que exige meu arrependimento. Revisitei meu passado e todas as coisas em que deixei de acreditar. Divindades, ideologias, pessoas. E por aí já se ia o quinto cigarro. Drogas.

Já me disseram que o caráter de um sujeito se mede pela convicção que ele tem em suas crenças. Naquele momento me senti ofendido. Afinal, que eu me lembrasse não me restava nenhuma crença.

Aponta pra fé e rema.

Fé em quem? Em mim mesmo? Essa eu já tinha perdido há muito tempo.
E vem algo da TV. "Acredite na beleza". Olhei para aquele enorme aparelho e vi o modelo ideal de mulher. Mera estratégia de vendas. Mas a frase continuou martelando em minha cabeça.

Eu acreditava na beleza? Saí para caminhar, procurando identificar a beleza (a real beleza, não a dos cosméticos). Comecei procurando em lugares óbvios. Museus, cinema, natureza. Não me satisfazia. Sempre procurando em novos lugares, esperando ver a cada esquina a beleza encarnada. Após semanas exaustivas de busca eu desisti. Minha última esperança de crença tinha ido embora. Me conformei em ser um sujeito sem caráter.

Os meses passaram. Mesmo que imperceptíveis, já haviam mudanças em meu rosto. Meu cabelo estava diferente. Mas eu continuava me olhando no espelho como um estranho. Peguei minha mochila e saí daquela casa estranha, que por algum motivo chamava de minha. Hoje eu tinha destino certo.

Meu encontro era com o outro lado da parede. E num piscar de olhos a teoria ganhou vida. Via na minha frente o poço dos olhos perdidos em velhas lembranças, me contando cenas que assombrariam meus sonhos nas semanas seguintes. Mas por mais perdida que parecesse a situação, senti ali um toque de esperança, uma firmeza na voz própria daqueles que tem uma causa, que lutam. E aquela sala tão precária assumiu cores que eu não havia percebido nos museus em meses passados. Olhei de pontos de vista que nem uma câmera conseguiria captar. Na saída até a grama parecia ter um cheiro diferente.

No ônibus só conseguia pensar. Lembrando dos últimos meses vi que as coisas não tomaram cor de repente. Alguma coisa vinha acontecendo. Alguma mudança que eu não havia reparado, que me vinha fazendo ver novos traços a cada dia.

A noite caiu, as pessoas foram para suas casas. Eu estava ali sentado, com pessoas que riam de mim, e uma taça de vinho nas mãos. Eu ria com elas. Afinal, era engraçado. No fim da música eu me dei conta das pinturas em volta. Quando começou outra música, me encantei com os acordes.
E pensei: "Música bonita"

"Bonita"

O que eu vinha enxergando era beleza.

Voltei a alguns cinemas, vi uma ou outra obra de arte, entrei em contato com a natureza, e voltei a acreditar na beleza.

De onde ela veio? Onde ela estava que antes eu não conseguia achá-la?

Estava ali o tempo todo. Mas a beleza é como um bife. Pode ser o melhor bife do mundo, mas você não gostaria de comê-lo sem tempero. Então eu tinha encontrado o tempero.

Boa companhia.

Bons amigos.

Eu acredito na beleza.

E de repente a fé voltou. Ajoelhei e rezei. Pra mim mesmo.

3 comentários: